sábado, 10 de março de 2018

Limites de adaptação

Foi no Sábado passado que apanhei um Uber para ira para o aeroporto e depois vir para Memphis, talvez tenha sido um Lyft, já não me recordo. O condutor era um rapaz da Venezuela, que trabalha num banco, onde faz originação (é assim que se diz?) de novos empréstimos e, segundo me disse, o negócio está bom. É esquisito que alguém que tem um emprego que parece bom ainda faça biscates pelo meio, mas é comum haver empregos part-time nos EUA e acho que agora com a Uber e Lyft muito mais pessoas têm. Ou talvez não, pode ser que haja maior visibilidade e isso turve a minha impressão. Por exemplo, num prédio onde vive uma amiga minha, um dos senhores da recepção é professor primário durante a semana e trabalha no prédio ao fim-de-semana. E depois há as senhoras que vendem Mary Kay, Avon, Stampin' Up, etc.

Sempre que conheço alguém da Venezuela pergunto como vão as coisas por lá. É verdade que há as notícias, mas o testemunho directo também é importante, especialmente hoje em dia quando o noticiário compete com entretenimento. Não estão muito bem, disse-me ele. Fala-se em eleições, mas os resultados são o que interessa ao governo. Os jovens que podem saem e há um envelhecimento da população. Era preciso que houvesse uma revolução, mas eu disse-lhe que as revoluções não costumam ser feitas por idosos. Exactamente, responde ele e rimo-nos ambos. Passámos a viagem de quase 40 minutos a rir.

Até há pouco tempo, ele tinha uma namorada na Venezuela, o que fazia com que visitasse com bastante frequência: cada seis meses. Mas as coisas complicaram-se porque distância e amor não combinam sempre e depois para ela vir para aqui há os vistos, o processo de imigração, etc. Teria de se casar para a poder trazer. Perguntei-lhe se ele tinha a certeza que ela gostava dele e ele não me pareceu muito convencido, para além de me dizer que o pai dele perguntava, em tom retórico, por que razão não tinha ele arranjado uma rapariga simpática nos EUA. Ele chegou a pensar em regressar, mas tem uma filha pequena nos EUA, que ele quer visitar todas as semanas logo sair ficou fora de questão. Achei bem.

Na última visita, levou um smart phone para o pai. Contava usá-lo enquanto lá estava, mas foi assaltado quando ia na rua com o pai e o tio, com o telefone no bolso das bermudas. Um fulano numa mota topou que era um smartphone deu meia-volta e roubou-o. Perguntei-lhe se as pessoas se vestiam assim ou se ele tinha ido para lá armar-se em americano. Vestem-se assim, garantiu-me. O pai não ficou triste, pois gosta de andar com o telefone baratucho a que chamam de barata, como o insecto. Uma vez o pai foi assaltado; quando o ladrão viu o telefone, devolveu-o e agora o episódio é contado com humor pelo pai, aliás ele diz-me que o pai é muito bem humorado. A mãe tem um smartphone, mas só o usa em casa.

A vida está difícil, mas os pais parecem estar bem; só não há dinheiro para ir de férias e é perigoso andar na rua. Isto trouxe-me à ideia os relatos de um amigo meu português que viveu em S. Paulo, no Brasil. Aconteceu-lhe ir jantar a um restaurante e quando saiu o carro não estava onde o tinha estacionado porque tinha sido roubado. Pensei na confusão que seria, mas ele disse-me que era normal: ia-se à polícia para ir buscar um papel para a seguradora e davam a indemnização pelo carro. Mesmo quando foi raptado durante algumas horas, o meu amigo não ficou afectado. Não aconteceu nada, para além de ser raptado. Não levaram muito dinheiro.

Para mim é estranho, mas suponho que quando vocês vêem notícias de tiroteios no EUA devem sentir esta estranheza: como é que alguém vive assim? Vive-se assim porque temos uma capacidade imensa de nos adaptarmos, mas há coisas que acho que não consigo.

http://www.humansofnewyork.com/post/171706138581/they-came-to-our-house-first-because-its-closest

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